terça-feira, 19 de março de 2013

Só! António Nobre



Memórias de uma infância feliz...


António Nobre, poeta português, nasceu a 16 de Agosto de 1867 no Porto. Faleceu a 18 de Março de 1900, na mesma cidade (Foz do Douro).
, o livro mais triste que há em Portugal, nas palavras do autor, foi a única obra publicada em vida (1892) e reeditada posteriormente.
Constitui um dos marcos da poesia portuguesa do século XIX, influenciando decisivamente o modernismo português (Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, entre outros grandes nomes), tornando a escrita simbolista mais coloquial e leve.

"Apesar de ser real o sentimento de tristeza, SÓ aparece também marcado pela memória de uma infância feliz no norte de Portugal, desenvolvendo a sua história em torno da paisagem rural e da melancolia, no passado feliz e no agora, da agonia. E sob a máscara da ironia, em certos poemas, esconde o pessimismo de uma descrença individual que retrata a sua época..."





«Viagens na Minha Terra»
Às vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos n'estas brazeiras,
Sonhando o tempo que lá vae;
E jornadeio em phantazia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho Douro, mais meu Pae.

(...)

Ó Portugal da minha infancia,
Não sei que é, amo-te a distancia
Amo-te mais, quando estou só...
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?


(Excerto do poema Viagens na Minha Terra in SÓ - António Nobre. Liv. Aillaud e Bertrand: Paris-Lisboa; 
Liv. Francisco Alves: Rio de Janeiro - São Paulo - Bello Horizonte. 3.ª Ed., 1913, pp. 61-65)



«Canção da Felicidade»

Felicidade! Felicidade!
Ai quem ma dera na minha mão!
Não passar nunca da mesma idade,
Dos 25, do quarteirão.

Morar, mui simples, n'alguma caza
Toda caiada, defronte o Mar;
No lume, ao menos, ter uma braza
E uma sardinha p'ra n'ella assar...

Não ter fortuna; não ter dinheiro,
Papeis no Banco, nada a render:
Guardar, podendo, n'um mialheiro
Economias p'r'o que vier.

(...)


(Excerto do poema Canção da Felicidade in SÓ - António Nobre. Liv. Aillaud e Bertrand: Paris-Lisboa; 
Liv. Francisco Alves: Rio de Janeiro - São Paulo - Bello Horizonte. 3.ª Ed., 1913, pp. 45-46)



 «Luzitania no Bairro-Latino»

1
........................................ Só!

Ai do Luziada, coitado,

(...)


Menino e moço, tive uma Torre de leite,
Torre sem par!
Oliveiras que davam azeite,
Searas que davam linho de fiar,
Moinhos de velas, como latinas,
Que São Lourenço fazia andar...
Formozas cabras, ainda pequeninas,
E loiras vaccas de maternas ancas
Que me davam o leite de manhã,
Lindo rebanho de ovelhas brancas;
Meus bibes eram da sua lã.

(...)

Menino e moço, tive uma Torre de leite,
Torre sem par!
Oliveiras que davam azeite...
Um dia, os castellos cairam do Ar!

As oliveiras secaram,
Morreram as vaccas, perdi as ovelhas,
Sairam-me os Ladrões, só me deixaram
As velas do moinho... mas rotas e velhas!

Que triste fado!
Antes fosse aleijadinho,
Antes doido, antes cego...

Ai do Luziada, coitado!

(...)

2

Georges! anda ver meu paiz de Marinheiros,
O meu paiz das Naus, de esquadras e de frotas!

(...)

3

Georges! anda ver meu paiz de romarias
E procissões!
Olha essas moças, olha estas Marias!
Caramba! dá-lhes beliscões!

(...)

Qu'é dos Pintores do meu paiz estranho,
Onde estão elles que não vêm pintar?


(Excerto do poema Luzitania no Bairro-Latino in SÓ - António Nobre. Liv. Aillaud e Bertrand: Paris-Lisboa; 
Liv. Francisco Alves: Rio de Janeiro - São Paulo - Bello Horizonte. 3.ª Ed., 1913, pp. 25-35)





Nos últimos anos de vida, António Nobre empreendeu uma dolorosa peregrinação, entre sanatórios na Suiça, na Madeira, em Lisboa, a casa da família no Seixo... tendo falecido aos 32 anos, com tuberculose, perto da paisagem rural e melancólica da sua infância feliz.


Mais info:

Biblioteca Nacional de Portugal - Digital: SÓ, António Nobre

Centro Virtual Camões: Figuras da cultura portuguesa, António Nobre


(Maria, 18-03-2013)



2 comentários:

  1. Simplesmente belo !

    Mas, Anto nunca será desconecido.

    " Quando ele nasceu, nascemos todos nós."
    (Fernando Pessoa)

    ANTO - ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DE ANTÓNIO NOBRE

    aVª nOVA - 130 4605 - 039 vILA MEA

    (zemariocarvalho7@gmail.com)

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  2. Obrigada pelo seu comentário, Zé Mário!
    Verdade, nunca será desconhecido, mas, partilhando-o neste espaço, estará talvez menos SÓ, triste e esquecido.

    Grata também pela sua partilha da "ANTO", a quem desejo uma profícua actividade.

    Abraço, Maria

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