quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O Tejo...




Do meu estimado amigo brasileiro, 
Mário Sérgio Baggio:


«O Tejo
"O Tejo é mais belo que o rio que passa pela minha aldeia.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que passa pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que passa pela minha aldeia."

Conhecedor de minha admiração por Fernando Pessoa, um amigo pediu que lhe explicasse a aparente contradição que há nesses belos versos do poeta português. Para mim não há contradição alguma, penso que a ideia central está muito clara nas palavras finais: "porque o Tejo não é o rio que passa pela minha aldeia". Isso explica tudo. Mesmo assim, resolvi dar uma "explicação" ao meu amigo. Eis o que eu disse, como se eu fosse o poeta português:

"Realmente, o Tejo é mais belo que o rio que passa pela minha aldeia. Maior, muito mais largo, mais barulhento, banha a capital da nação. Por ele passam grandes navios, cheios de carga e de gente. Sua corrente é caudalosa, violenta. Sua grandeza é arrebatadora, sua exuberância desnorteia, seu gigantismo entontece. O rio que passa pela minha aldeia, não: é pequeno, estreito e modesto. Sua correnteza é quase imperceptível - não há movimento, não há barulho, quase uma água parada. Há, sim, um sussurro, um murmúrio, um quase silêncio, bem diferente do vozeirão do Tejo. É um rio tímido e acanhado, esse que passa pela minha aldeia; um quase nada de água. Nenhum navio navega pelo rio que passa pela minha aldeia. Mas é ao pé dele que me sento e penso; que escuto; que conto segredos (a ele ou a mim mesmo?); que vejo meu rosto refletido na água quase sem movimento; que choro e me acalmo; que morro de frio e fecho os olhos quando o vento encrespa a água; que me lembro de antigas canções, antigos amigos, antigos amores. Nada disso teria lugar ao pé do Tejo. O Tejo é belo, mas não é mais belo que o rio que passa pela minha aldeia."»
(Publicado em: "Nossa Língua Portuguesa/Brasil", LinkedIn/25-01-2013)
✍️


Obrigada, meu amigo, pelo seu olhar à 'aparente contradição' de Fernando Pessoa.
 Vamos ler?

 «O Guardador de Rebanhos
Poema XX
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.»
(Fernando Pessoa, Poesia de Alberto Caeiro "O Guardador de Rebanhos, Poema XX". Lisboa: Ed. Fernando Cabral Martins e Richard Zenith; ed. original Assírio & Alvim. Bibl. Fernando Pessoa e a Geração de Orpheu, 2006, pp. 53-54.)


E ouvir :)

com Tom Jobim 
(N.: 25-01-1927/Rio de Janeiro)





Um aBraço \o/
Maria

 

1 comentário:

  1. O rio que passa pela minha aldeia é tudo isso que você disse! É pequeno, estreito e modesto mas corre entre matas desertas e cheias de cores e sabores, aromas que guardei de giestas brancas e amarelas, de lentiscos, pinheiros, azinheiras e eucaliptos, de raras e belas rosas albardeiras, de medronhais salpicados a vermelho, de arbustos de alecrim pintados de abelhas e rosmaninhos violetas...
    "Poucos sabem..." que assim o trago em mim, "...por isso, porque pertence a menos gente, / É mais livre e maior o rio da minha aldeia."

    Um grande abraço, meu amigo
    Maria

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