segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Gostei de rever-te...



Gabriela. 

Reencontrar-me nas minhas memórias a preto e branco de menina, nesses idos de 1977. Quando te via diariamente, se a Tv estivesse ao alcance dos meus olhos... e se uma Sônia Braga, demasiado despida, não fossem motivos para me impedirem de assistir à minha curiosidade natural.
Na verdade, então como agora, mas de cores vestida em Juliana Paes, para entrar e lembrar, de como "o vento não precisa pedir licença pra ventar..."


E de reler-te... Jorge Amado.

«Do sol e da chuva com pequeno milagre.

Naquele ano de 1925, quando floresceu o idílio da mulata Gabriela e do árabe Nacib, a estação das chuvas tanto se prolongara além do normal e necessário que os fazendeiros, como um bando assustado, cruzavam-se nas ruas a perguntar uns aos outros, o medo nos olhos e na voz:
- Será que não vai parar?
Referiam-se às chuvas, nunca se vira tanta água descendo dos céus, dia e noite, quase sem intervalos.(...)»

(Obras de Jorge Amado "Gabriela, Cravo e Canela." Publicações Europa-América, 8ª edição, Dezembro de 1971. Capitulo Primeiro, p.27)









 «Com Gabriela, Cravo e Canela, Jorge Amado volta de novo ao convívio dos Portugueses, à intimidade dum povo que tanto o ama, tão sôfregamente o tem lido e há tanto tempo o admira. Que o admira desde a sua alvorada, muito antes de ele ser, como é hoje, uma das primeiras figuras literárias do Brasil e da nossa época, um dos mais qualificados representantes duma literatura tão rica de valores e tão variada de expressões como é actualmente a da sua grande pátria.(...)» (Ferreira de Castro in op.cit., p.14)


E de aprender contigo :)


«Vocabulário (*)

Balacubaco. - «É do balacubaco» significa: «É óptimo, é formidável».

Brinques. - «Toda nos brinques» quer dizer: «muito elegante».

Calça porta-de-loja. - Calça barata, de pano vagabundo.

Cotucar. - Tocar com o dedo nas costas ou na barriga.

Desparrame. - Exagero. «Desparrame de beleza» é um exagero de beleza.

Fifó. - Lanterna primitiva, feita com frascos vazios de remédio e mecha de algodão.

Fuzuê. - Briga, barulho.

Iaô, ou filha-de-santo. - Designação em língua nagô das iniciadas no candomblé. A pessoa é iaô deste ou daquele santo (de Xangô, de Oxossi, de Yemanjá, etc.), conforme é dedicada a este ou àquele. A iaô «recebe» o santo nas macumbas, veste-se com suas roupas e dança as suas danças. A iaô é «cavalo» do seu santo.

Marinetes. - Ônibus. Nome dado no Estado da Baía, porque ali apareceram os primeiros ônibus quando da evidência de Marinetti e do futurismo.

Mata-cachorro. - Ajudante nos circos, que faz os trabalhos braçais.

Mula-de-padre. - Superstição popular. Mulher que viveu com padre, ao morrer torna-se mula-de-padre.

Neném. - Criança pequena.

Pinicar. - Tocar (o violão).

Quenga. - Prostituta, mulher feia e velha também.

Rabo-de-galo. - Mistura alcoólica na base da cachaça e licor ou vinho.

Tira-gosto. - Qualquer coisa (fruta, queijo, doce) que se come ao mesmo tempo em que se toma cachaça. Tira-gosto da cachaça.

Viúva-de-carneiro. - Prato regional baiano, feito com os miúdos (bofe, coração, tripa, etc.) do carneiro.

Xin-xins. - Prato regional baiano. Xin-xin de galinha ou de cabrito. Preparado à base de azeite de dendo.»

 (*) ("...significado de alguns termos brasileiros que os dicionários portugueses não registam." in op.cit., p.24 e p.487)


«Ao lermos este livro admirável, este ressurgimento da arte romanesca de Jorge Amado, marco miliário da já longa tradição literária do Brasil, assalta-nos aquela comoção que sempre experimentamos em face das verdadeiras obras de grande arte: o enternecimento «humano» que nos leva à emoção, ao deleite, ao verdadeiro gozo estético, tão raros já na fatigada derrota da «literatura». E sem concessões à literatura, tão arrebatadamente quanto o lemos e relemos, Jorge Amado surge finalmente como um prosador de excelência, o homem outrora implicado na retórica fácil do circunstancialismo histórico recuperado agora pela lenta e paciente estruturação da verdadeira arte, essa que não se resigna a um plano secundário, mas que se impõe ao nível do imperativo categórico, esse campo aberto a todas as solicitações, multifacetado espelho onde a vida se contempla e se descobre.
E, no entanto, Gabrilela, Cravo e Canela é, sobretudo, um romance de amor: o amor da mulata Gabriela, heróico, selvático, primitivo e livre. De uma sensualidade esfuziante, plena de alegria, enamorada da vida mesmo quando a vida a atraiçoa, Gabriela transforma-se num símbolo da liberdade do amor, mulher enraizada na terra que a engendrou, dádiva de cristalina verdade que nem o mal nem o medo, a mentira ou a traição poderão calar.
Para lá da intriga que é a própria vida de Gabriela, descobre-se um tema secundário neste formidável romance: a crónica de uma cidade do interior do Brasil, Ilhéus, pelo ano de 1925, quando cresciam as roças do cacau, a terra prometia e os costumes se modificavam. Eis Ilhéus numa fase crucial da sua evolução: eis uma cidade povoada, de facto, por tipos inesquecíveis a meio caminho entre o primitivismo rural e as novas eras que se aproximam. Personagens arrancadas às idiossincrasias locais e trabalhadas na forja deste grande manobrador da palavra e da acção, vivem no momento de raro fulgor em que o passado fenece sob a arrancada rude do progresso enganoso que se acerca, homens de política, de intriga, de escândalo, de crimes e lendas, intérpretes da comédia humana de uma cidade que se transforma.» (in op.cit., Capa e contracapa)

«Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente porém evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontece sempre, em todas as sociedades.» (in op.cit., p.20)


(Maria, 21-01-2013)


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