quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Redescobrindo a aldeia...


... com "As Pupillas do Senhor Reitor" :)


Julio Diniz (pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, nascido no Porto a 14 de Novembro de 1839), 
o escritor da fraternidade, do optimismo, dos sentimentos sadios do amor e da esperança.


«José das Dornas era um lavrador (...) sadio e de uma feliz disposição de genio, que tudo levava a rir; mas d'esse rir natural, sincero e despreoccupado, que lhe fazia bem (...).
Era-lhe familiar o canto matinal do gallo, e o amanhecer já não tinha para elle segredos não revelados. O Sol encontrava-o sempre de pé, e em pé o deixava ao esconder-se...»






"Carta ao Editor

(Carta que servia de prologo em 1875 á edição portugueza das «Pupillas do Senhor Reitor», feita em Leipzig (Allemanha) pela importante casa editora F.A. Brockhaus.)

Meu amigo.

Julio Diniz é um pseudonymo. Ocultou por muito tempo o nome de um dos mais poderosos talentos da geração moderna. Os romances firmados com aquelle modesto nome são a corôa mais brilhante da literatura romantica em Portugal. Não imitou ninguem; não teve ainda imitadores. Appareceu no meio de uma literatura sem significação, ridiculo arremèdo da orgia literaria da França; literatura sem inspiração e sem arte, sem sciencia nem consciencia, sem sentimento, corrompida, gasta, inutil... e elle, immaculado d'esta heresia da arte, espiritualista no meio do materialismo mais grosseiro, inspirado do sentimento do bello, do verdadeiro e do bom, que era o seu culto, que estava gravado na sua alma, entre escriptores para quem o bello era um engenhoso absurdo, que consideravam o verdadeiro a exhibição a nú das torpezas do vicio, que julgavam ser o bom a representação do mal, mas o mal, revestido de attractivos, romantisado, seductor; elle Julio Diniz, incognito, faz-se ler, é admirado, produz enthusiasmo, é preconisado o primeiro romancista portuguez.
E entretanto, para maior gloria do auctor, o publico não sabe quem seja; e elle  proprio, quando todos o buscavam, assistindo ignorado ao seu triumpho, não se revela, nem por um gesto se denuncia.
É que Julio Diniz satisfazia uma necessidade do seu espirito, escrevendo; obedecia á sua natural modestia, ocultando-se.
Por fim, alguns raros amigos, senhores do segredo, cedendo a um generoso impulso, desvelaram-lhe o nome. Era Joaquim Guilherme Gomes Coelho, moço de 26 annos, formado na Escola medico-cirurgica do Porto, onde pouco depois devia occupar um logar distincto como professor. A esta revelação succedeu, por um lado, o jubilo; por outra parte, o pasmo. Conheciam-n'o todos: e, apesar das distincções recebidas nas aulas, ninguem nunca adivinhara n'elle o peregrino talento, que é hoje uma das primeiras glorias literarias de Portugal.
Publicara o romance As Pupillas do Senhor Reitor, indisputavelmente a joia mais preciosa, a flôr mais delicada da sua corôa literaria. O publico, juiz de cem cabeças e cem sentenças, tinha tido d'esta vez uma só opinião: que o romance era admiravel! É. Só o auctor duvidava da justiça do veredictum.
Procurou-me um dia. Haviam-lhe pedido para reproduzir o romance em volume; queria que eu lhe dissesse se elle merecia as honras de apparecer em livro. O caracter de Gomes Coelho era tam sincero, tam leal, tam nobre, que ninguem podia suspeital-o capaz de uma impostura. Mas era um homem de genio, e, como tal, nem tinha a consciencia do seu grande talento, nem do merito dos seus escriptos. Quiz demonstrar-lh'o eu. Apesar de todas as resistencias, trouxe comigo para Lisboa o original do romance e apresentei-o a Alexandre Herculano, o nosso primeiro literato, aquelle cuja opinião tinha mais auctoridade e mais valia. E o Mestre, em quem todos os verdadeiros talentos encontravam sempre um admirador sincero e enthusiasta, auctorizou-me a dizer a Julio Diniz, que elle o considerava - o primeiro talento da geração moderna, e o seu romance o primeiro romance portuguez d'este seculo.
Pobre moço! pouco tempo tinha de sobreviver aos seus triumphos successivamente alcançados pela publicação d'outros romances. Ferido de uma tysica que o não illudia e por isso o trazia amargurado, buscou nas letras allivio á tristeza que lhe ia na alma, e na mudança de clima lenitivo ao mal que lhe devorava os pulmões.
Voltando da ilha da Madeira, disse-me: - Não torno lá. Para que hei de andar fugindo á morte? Para viver mais um anno, mais alguns meses, assistindo diariamente a uma agonia lenta, e chorando na alma a cada passo que encontro aquelles que amo e hei de perder para sempre? Já basta: é melhor morrer.
E morreu, na edade de 33 annos (*), deixando de lucto as letras portuguezas e vago um logar que difficilmente se preencherá.
Ahi tem, meu Amigo, o que julguei dever dizer-lhe do auctor d'As Pupillas do Senhor Reitor. O publico allemão, a quem sujeita o livro, não precisa da minha opinião: é juiz mais competente. E como sei que o romance ha de causar ahi, ou onde quer que fôr lido, a mesma sensação que produziu entre nós, quiz que os homens de letras da Allemanha soubessem que, se a obra vale muito, o auctor valia, como homem, talvez mais ainda.
Sou, meu caro sr. Brockhaus, seu

Am.o e Ven.or

A. Soromenho (**)

Lisboa, dezembro de 1874.


(*) Aliás 32 incompletos. Editor.
(**) Notavel orientalista e erudito professor do curso superior de letras, já fallecido. Editor."


(Fonte: Julio Diniz. AS PUPILLAS DO SENHOR REITOR, Chronica da Aldeia. 21ª Edição. Lisboa, J. Rodrigues & C.ª, Editores, 186 - Rua Aurea - 188, 1920.) 


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